segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Notas sobre Pessoas Colectivas

Só para ficar esta questão bem esclarecida deixo aqui algumas notas sobre Pessoas Colectivas. Peço a quem esteve hoje na tutoria que faculte estes tópicos a quem não pode consultar o blogue. São referências breves ao processo de constituição das pessoas colectivas.

1 - Nas Associações primeiro temos um contrato celebrado entre os fundadores (necessariamente duas ou mais pessoas), seguindo-se a certificação da admissibilidade do nome junto do RNPC e devendo finalmente ser lavrada escritura pública titulando esse contrato. Não pode ser lavrada a escritura sem que tenha sido previamente obtido o certificado da admissibilidade do nome da Associação.

O acto constitutivo em sentido amplo engloba tanto o acto constitutivo em sentido estrito (o contrato titulado pela escritura), como os Estatutos - que são um conjunto de regras de funcionamento da pessoa colectiva que lhe são ditados pelos seus fundadores. Os Estatutos podem fazer parte do próprio contrato ou podem seguir em documento anexo.

Do contrato devem constar os elementos essenciais do art. 167/1; a título eventual podem ser acrescentados os elementos referidos no art. 167/2.

Deve ser dada publicidade tanto à sua constituição como a quaisquer alterações de que a Associação venha a ser objecto – isso resulta do art. 168. Está em causa mais uma vez a tutela de terceiros: daí que, antes de cumpridos estes esquemas de publicidade, a personalidade colectiva da Associação não possa ser invocada perante quem a desconheça. (*)

O contrato constitutivo da Associação pode ser, nos termos gerais, afectado por qualquer vício que comprometa a sua validade – neste ponto aplica-se o art. 158-A que remete para o art. 280. A consequência destes vícios será, de harmonia com este preceito, a nulidade. Note-se que uma declaração de nulidade pode pôr em causa a subsistência da própria Associação, que se relacionou com terceiros no desenvolvimento da sua actividade jurídica, terceiros esses que confiaram na sua existência e validade enquanto pessoa jurídica. Daí que as declarações de invalidade de actos institutivos de pessoas colectivas devam ser particularmente cautelosas: deve entender-se que não afectam toda a Associação se decorrerem de vício apenas sectorial; se o vício apenas afectar um dos associados, segundo o que defende o Prof. Menezes Cordeiro, a associação subsiste – esse associado é que é afastado dela.

Tentando resumir, os vícios que podem levar à invalidade, nos termos do art. 280, seriam os seguintes:
- impossibilidade do objecto da Associação (é o que se passa no caso prático nº 7);
- indeterminabilidade do objecto;
- objecto contrário à lei, bons costumes ou ordem pública;

Apesar de se dever ter uma leitura restritiva, a declaração de invalidade pode levar à extinção da Associação. Outras causas de extinção estão enunciadas no art. 182.

2 – Em relação às Fundações mantêm-se as mesmas exigências quanto à necessidade de haver um acto constitutivo em sentido próprio e Estatutos. Apenas, neste caso, o acto constitutivo em sentido próprio não será um contrato mas um negócio jurídico unilateral (ou seja, um negócio onde intervém apenas uma pessoa, onde é suficiente a intervenção de uma pessoa para que os seus efeitos sejam produzidos – essa pessoa é o fundador). Esse negócio pode ser celebrado para produzir efeitos em vida do fundador (será, então, uma doação – art. 947 CC) ou depois da sua morte (nessa hipótese será um testamento – cfr. o art. 2204 CC. É o que se passa no caso prático nº 8).

As Fundações têm uma particularidade: no acto constitutivo o fundador afecta um conjunto de bens ao funcionamento da pessoa colectiva. A forma do negócio jurídico constitutivo depende de esses bens serem móveis ou imóveis: isto porque, como verão, a lei exige a forma de escritura pública para negócios que envolvam a transmissão de direitos reais sobre coisas imóveis – é o que resulta do art. 80 do Código de Notariado.

Do acto constitutivo devem constar como elementos necessários os referidos no art. 186 – o fim da fundação e os bens que lhe são destinados.

É aplicável o art. 168 quanto à forma do contrato e a necessidade de publicidade – art. 185/5.

O passo seguinte é a elaboração dos Estatutos. Estes podem ser outorgados pelo próprio fundador (art. 186) ou por uma outra pessoa tendo em conta o que seria a sua vontade presumível (art. 187).

A lei não quer que fiquem bens imobilizados para fins irrelevantes ou não atendíveis. Por isso, no iter de constituição de uma Fundação há um quarto passo: o reconhecimento dessa Fundação por uma entidade pública competente (arts. 185/2 e 188). No processo de reconhecimento deve ponderar-se se o fim visado pela Pessoa Colectiva é de interesse social (art. 188/1) e se os bens que lhe foram afectados pelo fundador são suficientes para prosseguir esse fim. Se estes requisitos não estiverem preenchidos, o reconhecimento deve ser negado. Nesse caso, de duas uma:
- se o fundador ainda for vivo, os bens são-lhe devolvidos;
- se já tiver falecido, os bens são entregues a uma Associação ou Fundação que prossiga um fim análogo;

Tal como no caso da Associação, o acto constitutivo pode ter algum vício que leve à sua invalidade (arts. 158-A e 280). Mas é preciso ter bem presente a seguinte distinção: uma coisa são as causas que afectam a validade do acto constitutivo (como seria, p. exº faltar algum dos elementos essenciais referidos no art. 186/1); outra, e bem diferente, é a Fundação não ser reconhecida ou haver alguma causa que justifique o não reconhecimento (no caso prático 8 Leopoldina alega como causas de invalidade do acto constitutivo motivos que nada têm que ver para essa questão).

Os vícios que podem conduzir à invalidade do acto constitutivo são semelhantes aos que vimos para as Associações. Eles podem levar à extinção da Fundação, assim como pode levar qualquer causa do art. 192;


3 – No que diz respeito às Sociedades Civis puras, é preciso ter presente que a Sociedade é à partida um contrato – regulado nos arts. 980 ss. No entanto, estando preenchidos alguns requisitos, o Prof. Menezes Cordeiro admite que também lhes seja reconhecida personalidade jurídica. Esses requisitos são:
- constituição por contrato celebrado por escritura pública (isso decorre dos arts. 157 e 168; nos termos gerais, ou seja, se o que se pretender for que a Sociedade não passe de um contrato não se exige escritura, a não ser que estejam em causa bens imóveis – cfr. o art. 981);
- nome obtido junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas;

Note-se que esta Pessoa Colectiva visa fins lucrativos. No entanto, por implicar um regime de responsabilidade patrimonial dos sócios pouco sedutor (todo o património dos sócios responde por dívidas contraídas pela Sociedade) não é uma figura muito utilizada na prática jurídica.


Concluo lembrando que estas informações são apenas um resumo. Não dispensam, evidentemente, uma leitura atenta do Manual do Prof. nem das disposições do Código pertinentes. Até porque se cingem à matéria da constituição, e a matéria das Pessoas Colectivas pode colocar problemas práticos noutros domínios.
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(*) A importância prática disto é sobretudo a seguinte: pode dar-se o caso de a Associação, através de algum dos associados, contraír dívidas junto de terceiros. Antes de ser dada publicidade à sua constituição, esses terceiros não têm como saber que estão a negociar com uma pessoa colectiva, e não com as pessoas singulares que agem em nome dela.

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